

MARCELO MOSCHETA
por Amanda Bonan
Desde o início dos anos 2000, Marcelo Moscheta trabalha com paisagens. Não como um objeto idílico afeito à contemplação, mas como um espaço ativamente construído no embate entre o homem e a natureza. Paisagens que colocam em perspectiva as medidas criadas pela ciência para nomear e catalogar o mundo natural.
Moscheta é um viajante, herdeiro conceitual dos expedicionários dos séculos XVIII e XIX, que registraram, como testemunhas, o desenvolvimento das disciplinas científicas e sua avidez pelo desconhecido. A paisagem inventada meticulosamente por estes pintores, desenhistas e gravadores pretendia reafirmar a competência do homem para conhecer e dominar a natureza. Foram diversos os artistas que relataram, documentaram e inventaram, junto a etnógrafos, geógrafos e arqueólogos, um novo modo de ver o mundo. Maria Graham (1785-1842), pintora e historiadora inglesa, que passou pelo Chile e pelo Brasil, não só registrou como participou vivamente do debate geológico sobre a formação das montanhas, tendo publicado na Sociedade de Geologia de Londres. Assim como ela, Moscheta também está a par dos boletins científicos.
Na descrição do trabalho Driftwood (2012), realizado a partir da residência artística no Polo Norte, Moscheta cita o tratado de George Melville, publicado no Boletim da Sociedade Geográfica da Filadélfia em 1898. Como forma de análise das correntes marítimas, Melville descreve como lançava ao mar barris de madeira numerados para coletá-los em outro ponto do oceano. Ao avistar pedaços de madeira flutuando na costa da ilha, a princípio, um lugar inóspito onde não se espera encontrar nenhum vestígio de vida florestal, ele lembra-se desses estudos. “Como um discípulo tardio", como o próprio artista se define, coleta os restos das “árvores viajantes” e inventa um sistema de catalogação para os troncos e galhos.
O imaginário expedicionário povoa diversos trabalhos de Moscheta. Em Ilha Elephant, 24 de abril de 1916 (2010), dois projetores de slide são colocados em bases de madeira junto a cabos propositadamente alongados e embaralhados no chão. Na quina de uma parede, são exibidas pelos projetores duas imagens tiradas pelo fotojornalista australiano Frank Hurley durante a Expedição Endurance na Antártica, entre 1914 e 1916. Já em Subtropical (2011), ele apresenta uma espécie de registro inventado da viagem que fez ao Pico do Jaraguá, o ponto mais alto de São Paulo. Além de pedras recolhidas no local, o trabalho contém fotografias que se sobrepõem a anotações, mapas e gravuras em carbono.
As obras criadas a partir das viagens, aliás, são fundamentais para a compreensão de suas paisagens e seu imaginário protocientífico. A Line in the Artic (2012) é um conjunto de fotografias das montanhas nevadas onde o artista insere, no chão de gelo, fitas adesivas vermelhas ou amarelas para apontar possíveis paralelos e meridianos que indicam sua localização geográfica em relação aos pontos cardeais. Moscheta nos força a perceber o quanto a natureza se impõe alheia ao imaginário cartográfico. Elementos de medição também estão presentes na série Ny Alesund (2012), feitas a partir de sua visita à base de pesquisa no Ártico. Réguas, trechos de cadernos cartográficos, anotações e fragmentos de mapas topográficos sugerem, junto às fotografias do lugar, a intenção do artista em se aproximar da ciência, do que ela tem de estético.
O vocabulário imagético do modo como a ciência calcula a natureza é recorrente em sua trajetória. Ferro, pedras, galhos e madeira são exibidos em meio a carimbos, etiquetas de identificação, instrumentos de medição, coordenadas geográficas, pedaços de antigas enciclopédias e mapas. As paisagens, porém, ultrapassam um olhar meramente classificatório. Nelas, sobrepõem-se dois polos que se cruzam: o tempo histórico da ação humana e o tempo geológico dos fenômenos naturais. As “rochas primordiais”, entes que carregam a memória de um passado longínquo, o arqueolítico, são postas em contraposição à efemeridade da vida humana. Moscheta inventa maneiras de mensurar o transitório e o indefectível neste encontro de tempos, mas, para além de um registro do sistema de classificação e dominação, a paisagem, sobretudo, é um instrumento de medição de si próprio.
Em 2012, o artista passou dez dias na residência artística Plataforma Atacama, no deserto chileno, resultando na produção de algumas obras. A principal delas, Linha: Tempo: Espaço, foi realizada a partir de uma ferramenta paleolítica de 3 mil anos de antiguidade encontrada pela arqueóloga chilena Ana María Barón, que realizou importantes escavações na área desde os anos 1970. Mocheta reproduz 3 mil cópias da ferramenta, enumerando cada uma com as coordenadas de seu deslocamento no deserto, e alinhando-as em uma linha de 15 metros de comprimento. Com a catalogação de cada rocha, ele reforça a presença do seu corpo em deslocamento em contraponto ao que permanece, por milênios, inalterado. A relação espaço-tempo depende, então, da relação entre o “eu” e o mundo. Como escreve Ítalo Calvino: “O eu que só serve para que o mundo receba continuamente notícias da existência do mundo, um engenho de que o mundo dispõe para saber se existe”.
