
ELILSON
por Jorge Luiz
Nos trabalhos de Elilson, caracterizados por uma diversidade de meios, entre a performance, o texto, a instalação e seus cruzamentos, há alguns fios condutores. A relação entre o corpo e a cidade (entes que o artista considera um só, em diferentes escalas) é um deles. A relação entre tempos é outro.
Alguns exemplos: em Carta a 1948 (2018), texto escrito e lido em um trem carioca, o artista escreve à sua avó naquela época, sobrepondo tempos, evidenciando rupturas e continuidades: “mas ela, essa fome, ela nunca sumiu. Agora no aqui onde estou, onde te falo, ela voltou. E voltou não só a fome. Você soube que andam prendendo e matando comunistas aí?”(1). Em Massa Ré (2016) um pequeno grupo anda uniformizado com camisetas nas quais está escrito “1964” nas costas e, na frente, “2016”. Em Fa(r)dado (2018), Elilson arremessa de edifícios envelopes vermelhos com uma carta em que se lê, de um lado, a frase de um jovem estudante morto naquele ano em uma operação policial e, de outro, o discurso de um deputado, proferido em 1968, que serviu de pretexto para o AI-5, no qual este lamentava a violência estatal contra os estudantes. Nessas obras, os tempos vão se entrelaçando, o que passou não passou e “existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa”, como escreve o filósofo Walter Benjamin nas Teses sobre o Conceito
de História.
Para a exposição “Contar o tempo”, Elilson preparou a instalação sonora Con(s)certo para Nomes Sem Corpos ou Praça aos Nomes Sem Corpos, com a qual ocupou o vão entre os dois prédios do Centro Universitário Maria Antonia, um pátio de concreto chamado de “Praça Sem Nome”. A obra consiste em uma placa – que rebatiza o local como “Praça aos Nomes Sem Corpos” – e em cinco bancos, dispostos em semicírculo, com caixas de som que transmitem cartas que refletem poeticamente sobre a questão dos desaparecidos políticos. Há cartas para as desaparecidas Ana Rosa Kucinski e Dinalva Teixeira. Uma é gravada no Cemitério de Perus, indagando a importância desse local para a luta dos familiares de desaparecidos. A quarta epístola, dedicada ao Maria Antonia, é intitulada Carta à História, buscando refletir sobre o passado e o presente
daquele espaço.
Elilson é um artista atento aos sons e isso fica evidente em sua instalação, em que a reprodução de cada leitura deixa transparecer o ruído ambiente do local onde o áudio foi gravado. O maior exemplo está em Carta Chamamento, a última, na qual o enunciado dos nomes dos desaparecidos ocorre na movimentada Rua 25 de Março, fazendo com que o movimento da urbe engula esses mesmos nomes. A diferença dos tempos e o que fazemos com a história se traduz em uma metáfora concreta. Citando novamente Walter Benjamin, “não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes de
que emudeceram?”.
NOTAS
(1) Disponível em: https://soundcloud.com/elilson-237842477/carta-a-1948-elilson/s-xrWlt