
CLARA IANNI
Quadro I
Em 2019, encontrei este livro em um sebo no centro de São Paulo. Com uma etiqueta de catalogação, um carimbo, números e palavras-chaves em suas primeiras e últimas páginas, ele agora estava em um sebo. Havia sido descartado de uma biblioteca, como alguns outros livros ali.
Folheando-o, encontrei, entre outras anotações e rabiscos, uma nota escrita a mão no verso da contracapa, que dizia: “Ideologia no livro didático”. A nota soava estranha, já que o tema do livro era justamente ideologia. A frase parecia classificar novamente aquele objeto. Seria esse o motivo de ter sido retirado de sua biblioteca de origem?
Quadro II
Duas pessoas conversam.
Uma vez, disseram que um fantasma é aquilo que se desvaneceu até se tornar impalpável, por morte, ausência ou mudança de hábitos.
A outra pessoa concorda, mas diz que um fantasma também pode ser algo tão palpável que, por tamanha palpabilidade, se desvanece. Alguma coisa que, de tão presente, se incorpora na mão, na cabeça, no hábito, e, de tão incorporada, fica imperceptível.
Quadro III
Em 2019, foi encontrado um livro escrito em 1985. Em 1985, naquilo que se conhece por Brasil, muitas coisas viraram fantasmas. Em 2019, o Brasil coexistia com fantasmas de 1985 e outros mais antigos. Aparições súbitas, outras não tão súbitas, povoavam os dias. Espectros atravessavam o tempo
Quadro IV
Essa escultura é um ato. Um gesto de adição. Um acréscimo por reorganização: devolver um livro retirado de uma biblioteca, a outra biblioteca. O livro, desvizinhado daqueles que eram seus próximos, aqui muda de prateleira. Vai para o fim dos livros da prateleira de arte, ali perto de onde outra prateleira começa.

