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ALINE MOTTA

por Gustavo Maan

Em seu texto-performance, Aline Motta nos apresenta as paisagens que compõem seu imaginário artístico, nos levando por um caminho de sobreposições temporais. Partindo principalmente de sua história pessoal e familiar, a artista compartilha conosco os trajetos dos seus processos criativos, procurando nos transportar para seu universo de pesquisa acerca das questões afro-diaspóricas.

Aqui, como a própria afirma, linhagem é linguagem, e por isso o tempo se torna a matéria que acolhe a relação entre uma geração e outra. É o estabelecimento dessa ponte que possibilita o retorno do presente a um passado ancestral onde, subsequentemente, encontram-se os rumos de um futuro fabulativo. A partir desses laços, Aline procura entender as localizações impostas pela condição diaspórica no Brasil, retomando o pensamento Bakongo e Bantu como elementos fundamentais para pensar a si e o mundo. 

É a partir dessa filosofia centro-africana que a artista consegue encarar a água, o mar e seus cursos não mais como simples composições da paisagem natural, mas como elementos de reflexão. As correntes e os espelhos d'água apropriados como portais de acesso ao tempo, aos ancestrais e a um futuro reluzente. Um giro epistemológico a partir do umbigo e do jongo, possibilitando um acesso ao potencial criativo da Kalunga, essa fina linha de água que separa o mundo dos vivos e dos mortos na tradição Bakongo. 

Água e tempo se aproximam ao se tornarem os elementos divisores entre a vida dos vivos e a vida dos mortos, esses sujeitos que insistem em permanecer presentes enquanto figuras ancestrais. Aline percebe nessa conjunção uma força motriz, uma máquina que produz significados e rotas de acesso aos passados, aos presentes e aos futuros.

Em conjunto, evoca a importância do material de arquivo em seu trabalho, principalmente aquele deixado por sua avó. Nesse movimento, mais uma vez vemos seu interesse em se aproximar do passado a partir de uma certa materialidade, podendo manejar esses vestígios para reinventar o presente. São fragmentos que não se propõem a compor uma narrativa una e coesa, mas que se tornam elementos conectivos, vivos e lacunares, preservando uma leitura da história continuamente inter-relacional. 

São com essas ferramentas que a artista forja sua performance declamada em praça pública, convidando os ouvintes a participar desse exercício de pensamento. É sobretudo um ensaio sobre cura e reconexão, sobre a inventividade do mistério e as temporalidades que moram na água. Um trajeto de reflexão por entre as ruínas e as lacunas daquilo que restou de uma história familiar, que agora é restaurada não mais como algo simplesmente restrito e particular, mas como um processo público e compartilhado. 

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